quarta-feira, setembro 17, 2008

Dançar é importante, faz-te mexer os ossos. (ponto final parágrafo)



Posso dizer-te que das poucas vezes que descemos a rua juntos (eu de um lado e tu do outro, mas sempre lado a lado) senti um arrepio. Não que isso significasse alguma coisa, não, nada disso. Hoje não é excepção. Lá vais tu, com o teu porte seguro de quem não tem nada a perder. Ao ritmo da música que ouves, um passo depois do outro. Raramente olhas em frente. Tens o olhar ao nível do chão, como se rastejasses, como se fosses um bicho. 

(e eu, que nem sequer gosto de bichos) 

Às vezes vou tão concentrada no teu movimento, que me perco por completo. Saio da rua e colo-me a ti. Vejo o que vês, cheiro o que farejas, sinto os teus medos e anseio os teus desejos. Se pudesses olhar para dentro de ti, para as tuas entranhas, vias-me certamente. E lá vou eu, estranhamente sem me cansar, colada a ti, como se fosse um bicho. 

(e tu, deves adorar bichos)

De repente, oiço uma mãe histérica a falar com o seu filho. (Booooa filho! Lindo meniiiiiiino! Quem é a coisa linda da mamãããã?! É tu! É tu!) Acordo e volto ao meu caminho, ao meu lado da rua. Fala com ele como se estivesse a falar com o seu próprio cérebro minúsculo. Coitado. Não consigo perceber quem é mais novo, ele ou a mãe. Penso. Gostava de saber quem inventou o ridículo modo de falar com as crianças. Como se fossem muito estúpidas, não chegando a ser nunca mais estúpidas do que as pessoas que com elas assim falam. Mas mais apressada do que eu, a mãe e a criança fugiram-me da vista.

Olhei para o lado, e lá estavas tu.

Levas um cigarro nos lábios. Aumento os pormenores que vejo de ti, como que a saltar para o outro lado da rua. Tens uns lábios carnudos e molhados. Continuas a ouvir música. Estamos no fim da rua. E agora, esquerda ou direita? Ali à frente há uma passadeira...talvez se tentar ultrapassar-te...ir à tua frente...fazer com que olhes para mim...pelo menos de trás. Não que seja esse o meu melhor ângulo, mas sempre é um ângulo. Faço o que estou a pensar. Um carro, outro. E estou à tua frente.

Viste?

E agora...? Tropeço? Páro e finjo que ato os ténis? Sim, boa ideia! Não tiras os olhos do chão. Ultrapassaste-me! Apresso o passo! E agora vou colada a ti. Gosto do teu ângulo. Vais virar à esquerda. Normalmente as boas pessoas viram sempre à esquerda. Será que costumas votar? Não me parece. Adiante. Esta rua é a subir... Há muito que devia estar no café. Combinei com um amigo. Provavelmente já desistiu. Olha, recebi uma mensagem. Desistiu.


Os teus pés querem fugir dos chinelos. E vejo a calçada cheia de cores. Azul, verde, amarelo, laranja, vermelho... Normalmente não costumo andar tanto. Mas está a saber-me bem esta caminhada. Olhaste para trás. E eu estagnei. Tiraste os olhos do chão. Mexes nos bolsos e deixas cair, aquilo que me pareceu uma moeda. Fui apanhar. É um pin. Está escrito: dançar é importante, faz-te mexer os ossos.

Fiquei com ele. Tu não reparaste.

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