sexta-feira, junho 30, 2006

Fio de Luz

Há um Fio de Luz no meu olhar…

Vejo uma porta encostada, anseio por um momento, vêm-me aos sentidos cheiros que conheço bem. Dou lentos passos ao teu encontro. Inspiro, expiro.


Há um Fio de Luz no teu cabelo…

Uma fuga interior que se dilata numa inspiração. Tens um precipício em cada reflexo de luz. Se pudesse contar-te um segredo… Seria agora.


Há um Fio de Luz nas minhas mãos…

Tremem constrangidas… Trazem-me à memória texturas de outrora… Oiço as fortes batidas do meu coração, como se fossem ondas a bater num rochedo. Consegues ouvir?


Há um Fio de Luz na tua pele…

Crias um espaço, no qual viajam sombras dos teus gestos, no qual os suspiros são oscilações no tempo. E eu vou entrando devagar no teu mundo. No mundo que também é meu.


Há um Fio de Luz entre nós…

Reacendo uma esperança que sabemos que morrerá. Contas-me um segredo sobre um “para sempre” qualquer. Cai-nos uma lágrima que secamos com prazer.


Há um Fio de Luz que nos invade…

Transforma-se a paz em música, e esta, num beijo. Sugamos a vida como se apenas tivéssemos uma. Mas ambos conhecemos o intangível. Já lá estivemos, lembras-te?


Há um Fio de Luz que se mantém aceso…

Que nos envolve e aquece e que converte a efemeridade dos corpos em momentos de eternidade. Conta-me um segredo. Amas-me…?



Para Alexandra Carvalho - www.fiodeluz.com

segunda-feira, junho 12, 2006

Chapter 1 - O sabor amargo do silêncio já me fez parar de respirar algumas vezes.

- Alimenta-me.

Gritaste alto para todos ouvirem. Estás bonita hoje. Fico indeciso quando tenho que tomar decisões. Todos menos eu. Atravessa-me um arrepio pelo corpo. Este café está cheio. E faz muito calor apesar de estar tudo aberto. Solto um esboço de preguiça.
Tu continuas atenta aos pormenores dos meus gestos. Da minha face. (passa uma leve brisa a separar-nos) Como que a decorar os meus traços.
Pego num cigarro. Olhas para o chão, envergonhada.

- Alimenta-me.

Não vais dizer nada? Sempre foste tão orgulhosa. Serás capaz de resistir... Acendo o cigarro. Uma nuvem de fumo faz-te desaparecer por breves segundos. Alívio. Voltaste.
Olhas-me como se já soubesses o que vou dizer. Desta vez não direi nada.
Desvio o olhar, faço uma pausa. 
No outro lado da rua, passa o Gonçalo. 

- Alimenta-me.

Tão seguro. Alheio à sorte, com o livro aberto sempre na mesma página. Nem ligaste. Ainda estás a olhar para mim? Estranho rapaz, este Gonçalo. Tenho as mãos dormentes. O cigarro está no fim. Ainda não disseste nada. Tens um cabelo na boca. Vá, tira-o. Fizeste um sinal ao empregado. O que queres?

- Pode ser uma água. (falaste!)

Linhas e mais linhas...e tu só queres água. Engulo em seco o teu olhar. Toco na minha barba rasa. Hoje está mais espessa, mais uniforme. Mais tu. Quero começar de novo. Conto até cinco. Vou ter de falar. 

- Olha... (falaste mais uma vez). Diz o que tens a dizer. (estás triste, mas bonita)
- E se dissesses tu para variar. (sinto-me fraco, mas ela não repara).
- Vais começar? Estou farta de esperar.
- Esperar? (mais uma vez engulo em seco).

Esperar? Não me lembro de te ter feito esperar alguma vez. Estás à espera. Lá vem o Gonçalo novamente. O livro aberto, sempre na mesma página. Mas desta vez vem com a Maria. Numa conversa animada. Nem parece o Gonçalo. Não saberá ler? A Maria não me viu...o Gonçalo muito menos. Continuas à espera... Está a esgotar-se a tua paciência. Conheço-te tão bem. Caminham apressados.

- Alimenta-me.

Este café começa a sufocar-me. Pego noutro cigarro. Consumo-o com a mais sublime das vontades. Devagar...Olhas para mim devagar... Levantas-te. Devagar. Dou um pequeno balanço na cadeira. Estás agitada. Respiro fundo. Olhas para mim.

- Vens ou não? (estás assustadoramente decidida, plena de certezas)
- Claro que sim!

Entusiasmo??? Não era nada disto... Levanto-me. Lá fora, um bafo quente. A tua roupa está colada ao corpo. A minha também. Seguimos o mesmo caminho. Juntos na mesma direcção. Perdi-me. Mas sempre posso seguir-te, pois saberás o caminho. Respiras. Cada vez mais acertados, mais rápidos, mais calados.

- Alimenta-me.

Dez minutos de silêncio. Nem sequer encontrámos a Maria e o Gonçalo. Conversadores. Sorridentes. Uma pedra no sapato. (espera, tenho que a tirar). Páras um pouco mais à frente, quando não me vês a teu lado. Estás bonita. Conheço-te tão bem. Estás com aquele olhar... Aquele que... Vejo uma porta. Por sinal, a tua porta verde. De madeira gasta. Acendo mais um cigarro mas no meu bolso das calças de ganga gastas, está uma pastilha.

- Alimenta-me.

Atirei o cigarro. O passeio fumega. Não me importo. Estás à porta, com aquele olhar. Queres que suba? Meto a pastilha na boca. Tem o teu sabor. Já subi tantas outras vezes. Será diferente? Não. É sempre igual. Reclamo, mas gosto tanto. O patamar guarda um cheiro de outras vezes. Estás bonita, como sempre estiveste. Sobes. Enfraqueces. Sinto-te mais próxima, mais minha. O sinal da tua perna esquerda faz-me balançar a retina. Mais um degrau. Mais um balanço. Gosto de dançar contigo.


Chegámos. O teu cheiro paira por aqui. O meu também. Ainda ontem. Já não seguimos por outro caminho. Rotina. O teu sinal, a minha retina.

- Entra. (já tinha dito que estás muito decidida hoje).
- Mas não achas melhor falarmos?

Se calhar não. Entro depois de ti. Estás com aquele olhar. Um sorriso. A porta fecha-se num abraço. Como gosto de ti. Um beijo e depois outro. E pensar que estiveste calada todo este tempo para acabar assim. Mais um beijo. Como é bom dançar contigo. Agora percebo. Dizes-me baixinho o que sempre quis ouvir. E pensar que dependia das tuas palavras para viver. Quando sempre me fizeste um pedido tão simples. Tão teu.

- Alimenta-me.

domingo, junho 04, 2006

Dei meia volta...

Dei meia volta...

Ainda não estás? Hoje dei meia volta para te encontrar, rasguei o teu nome na grossa areia da praia. Não ouviste. Um suor estranho abandonou a palma das minhas mãos. E se amanhã conseguires ver-me? Será que dás meia volta? Tenho saudades... 

Ao fundo, bem lá ao fundo um ruído. Agito um ombro, depois outro. As veias das pernas pedem também movimento. 

Nada difícil para mim. E tu? Estavas lá?
Ainda não...

Dou meia volta. O sol deste lado está mais amuado. Estás aqui? Nunca mais chegas. Mais um ruído.. Mais uma volta que o meu corpo quer dar. Às vezes a inércia excita-me. Pode ser que pare para respirar. Parada no fundo da areia grossa. Já chegaste?

Será inútil dizer-te que me fazes falta. Como tudo o resto é inútil. Come areia. Areia grossa da praia. Suja. Come. Cospe. 

Chegaste...

Tão certo. Deia meia volta para te ver melhor. Estás diferente. Tens ruído no corpo, mas não danças. Perdeste o sorriso. Perdeste o ritmo. Não danças. 

Deia meia volta... Fui-me embora.